quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Gustavo Ferro

Essa série de cadernos de desenho realizada pelo artista Gustavo Ferro representa uma das vertentes de sua produção, que não se limita somente ao bidimensional, como os desenhos contidos nos cadernos, mas que se expande ao tridimensional, trabalhando também com o espaço e objetos que estão ao seu redor.

Porém, é a partir do desenho que Gustavo Ferro começa organizar e pensar seu trabalho, e dessa forma, os cardemos passam a funcionar como um diário do artista, onde ele nos proporciona desvendar através de imagens, os pensamentos e sentimentos que passam na sua cabeça no momento de concepção de cada pagina.

Cada caderno é nomeado com a data em que foi realizado, sinalizando que suas paginas são completadas praticamente de uma só vez, com isso, percebemos um caráter impulsivo de produção dos trabalhos. Um “fazer” frenético, que pode ser percebido também no aspecto plástico de seus desenhos, realizados a partir do acúmulo de materiais diversificados, apropriando-se de papéis industrializados, que o artista agrega às fitas adesivas juntamente com seu gesto de caráter bastante intuitivo, fazendo uso de lápis, bastões oleosos e pigmentos com cores variadas.

Essa gestualidade e acumulo de matérias impulsivas resultam em imagens que transmitem uma pureza quase infantil, que ativam antigas memórias. As figuras oníricas retratadas aparecem em meio a um cenário de sonhos, colocando o observador dentro do pensamento do artista, que parece estar sempre ativo e em constante mudança, e essa inquietude pode ser percebida a cada pagina virada.

Nessa série de cadernos, Gustavo Ferro expõe não só toda a expressividade do seu gesto, mas também uma intimidade. Os objetos encontrados nos cadernos, que ele acumula, recorta, cola e interfere, são cartões, fotos, bilhetes, objetos que de alguma forma fizeram parte de sua vida. Dessa forma, esses cadernos deixam de atuar como sketches books para se tornarem verdadeiros diários visuais, que o artista produz constantemente e abre para o público, expondo um intimismo que um diário convencional procura esconder.

Ronan Cliquet




Ronan Cliquet

Para perceber o mundo, decifrar esse sistema estruturado por convenções culturais e universais, dotado de princípios sociais, códigos, símbolos, signos etc., como fonte de criatividade artística, dependemos de uma sintonia sensível, eixo principal, capaz de acionar e estimular nossos sentidos.

Movido por essa sintonia inexplicável, porém, necessária para todo ser humano, Ronan Cliquet procura desenvolver numa linguagem plástica seus pensamentos sensíveis para, de algum modo, entender o mundo ou as coisas do mundo, não mais na sua condição do ser individual, mas na condição do ser coletivo.

Ronan Cliquet desenvolve sua pesquisa poética centrando-se na temática figurativa, e explorando seu repertorio particular suas lembranças.O artista da ênfase, às construções de retratos que, nas suas expressões fugidias, quase esquecidas pelo tempo, guardam nossas lembranças, nossas memórias.

Sobre essa temática discorrida por Ronan e tantos outros artistas, Priscila Sacchettin escreve no “Esboço de um Percurso”, publicado no Catálogo de Marco Buti, “Ir até aqui”. Diz assim.


“Memória que pode ser pensada não como aquilo que ficou para trás, mas como o que está sempre presente. Em sigilo, circula ininterruptamente por nossa alma, abastecendo de sentidos e identidade nossos pensamentos, palavras, gostos, ações. Mesmo quando não percebida ou não diretamente notada, está ali, presente, estruturando o que somos;” [...].


Seu processo criativo é antes tudo, um resgate da técnica da gravura em metal, procedimento da água-tinta (chamado de “lavis”), processo com ácido que nesse caso, é trabalhado como matéria “pictórica”. Que através da ação do artista entre matéria e agente (ácido), aos poucos quase que num apagamento temporal, revela por meio das nuances entre claro e escuro a identidade contidas em cada rosto anônimo, a expressividade da vida, em “Lembranças Destorcidas”.


Cléo Barreto



Carlos Gonzalez

A partir do desdobramento de estudos de desenho feitos em cadernos pessoais, o artista Carlos Gonzalez desenvolveu dois vídeos intitulados “Heterossexual come macarrão com carne I” e “Heterossexual come macarrão com carne II”, em que trabalha com o processo da construção da percepção pela registro de uma ação do próprio artista.

O primeiro vídeo revela uma ação que se desenrola num espaço de caráter privado, voltada para a ordem do improviso e que discute o lado “animal” presente no comportamento humano.

O deslocamento do objeto cadeira de seu contexto comum de funcionalidade é o fator inicial necessário para a leitura da obra: essa está no espaço para servir a funções diversas que não apenas a de substituir os membros superiores do artista. Com esse deslocamento, o artista constrói extensões em seus braços, que remetem a instrumentos usados em estudos de desenho, durante o processo de construção das formas.

O título se revela como ponto de caráter literal e explicativo em relação à ação como um todo: ao usar o termo “heterossexual”, põe em questão o estereótipo da figura do “macho”, como aquele indivíduo dotado de virilidade, que devora, literalmente, um prato de macarrão com carne.

Em meio à combinação de tais elementos, surge um novo valor que faz a ligação entre eles: a música. O elemento sonoro, que remete a músicas de circo, traduz a situação do artista quase como desempenhando uma aberração, ao redor da qual o público se aglomera, a fim de desfrutar do “freak show”. Além disso, o elemento sonoro acaba por preencher o espaço, como se construísse seu próprio picadeiro, ao envolver o espectador como platéia e testemunha da ação.

Do outro lado, o segundo vídeo, mesmo sendo uma seqüência do anterior, segue um viés bem diferente, já que, dessa vez a ação se dá como uma “coreografia”, uma seqüência de movimentos preestabelecidos. Nesse trabalho, o título se mostra como um elemento completamente sugestivo: o ato de comer a carne pode ser entendido como o ato do artista de se aproximar e desfrutar do corpo da garota de programa.

Além disso, a presença agora do termo “heterossexual” e o fato do artista trajar roupas íntimas femininas trazem a tona um questionamento sobre os gêneros feminino e masculino, ou seja, em tal local, de caráter “underground”, o indivíduo revela sua outra identidade/personalidade. Ao se vestir de mulher, recupera também a questão dos fetiches, dos desejos íntimos e das fantasias sexuais do Homem, quando se encontra longe do olhar observador do outro.

Como referência, pode-se levar em conta a relação com o Cabaré Voltaire, criado por Hugo Ball, que mais tarde impulsionou o surgimento do dadaísmo e se traduzia num espaço secreto, de acesso restrito, que servia de “refúgio” para os artistas e de cenário para exposições provocadoras e performances escandalosas. O Cabaré Voltaire proporcionava condições para a liberdade artística e para experimentações. Frente a isso, o artista apresenta sua ação como um objeto anti-artístico que busca colocar em discussão padrões estéticos e colocar à prova os limites de percepção, recepção e aceitação do público perante essa.

Apesar de parecer convincente o percurso feito durante todo o processo, a escolha do espaço público tão específico, cenário do segundo vídeo, parece ter fugido do caráter da proposta inicial, já que a oposição entre o privado e o público se mostrou um tanto quanto díspar: a passagem de um vídeo para o outro se fez quase como um grande salto, desnorteando o espectador sobre o porquê da ação e do território povoado por essa. E indo mais além, a escolha de tal ambiente se mostrou um tanto quanto rasa, já que outros lugares poderiam ter sido explorados como cenário para o desenrolar da ação.


Roberta Campi



Ana Polisel

De caráter experimental, o trabalho de Ana Polisel utiliza uma câmera amadora para realizar vídeos caseiros, registros autobiográficos de seu dia-a-dia desde 2008. No ato da filmagem pratica um monólogo olhando para a câmera. Em suas “conversas” com a câmera descreve memórias, lugares, pensamentos, desejos, pede e sugere atos a serem realizados no futuro, aconselha, seduz, indaga, orienta e olha para o espectador.

Para executar a filmagem do vídeo “Mov00324.MPG” da série auto ajuda, realizado em janeiro de 2009 na casa da artista e, segundo ela, antes de dormir, Ana Polisel recorre a um ambiente silencioso e intimista, onde o enquadramento da câmera fechado no rosto impossibilita a percepção real de onde a artista se encontra, deixando para o espectador apenas especulações sobre o espaço. Segundo Ana Polisel a gravação seria uma modo de deixar um recado para lembrá-la de algumas coisas que naquele momento eram importantes que não esquecesse.

A obra de Polisel não se resume apenas a gravação apresentada. Além de abrir diversas possibilidades de leituras subjetivas por conta do espectador, o vídeo é forma de comunicação entre dimensões de tempo diferentes. A artista comunica-se consigo mesma a partir do momento em que utiliza do registro fílmico como forma de documentação de estados de espírito e de níveis de consciência, tornando a prática de gravar e assistir ao vídeo no futuro, forma de ser guiada pelos caminhos e possibilidades da vida.

Ana Polisel cria uma situação onde o espectador que se depara com sua obra não consegue distinguir de fato se o vídeo apresenta diálogos com a própria artista em um tempo futuro ou se é uma criação fictícia. De qualquer modo, o trabalho aponta indícios sobre o surgimento de uma mitologia pessoal densa e ramificada, em que a artista desenvolve a sua poética.


Gustavo Ferro



Tatiana Steter

A artista Tatiana Steter, cria sua obra a partir de um plano bidimensional com barras de ferro soldadas. Curioso, entretanto, é notar que esse plano alude a uma perspectiva tridimensional e quando observarmos a obra sobre um ângulo determinado essa tridimensionalide torna-se uma perfeita ilusão.

Sua intenção parece caracterizar-se por incluir um conjunto de objetos - barras de ferro soldadas - uma imagem que se molda sobre a invenção de sua própria forma. Forma essa, que não se situa dentro de seus limites, expandindo-se em si mesma, atua sob sua própria perspectiva como um conjunto de imagens, posicionadas a certa distancia que, quando observada sobre certo ângulo, sua estrutura bidimensional alude a uma visão tridimensional.

A tridimensionalidade da obra se destaca como estratégia para a sua leitura, é necessário e fundamental, com sua aplicação no ambiente, agregar-lhe como constituinte a condição de incorporar, como elemento de construção, a ilusão ótica. Dela decorre a construção de seu sentido, entendendo o tridimensional - linguagem - como conteúdo e expressão que possibilita organizar sua a leitura, buscando efeitos de sentido que resultam em uma relação direta e ativa do espectador.

Tendo em vista o entendimento dessa linguagem, bem como sua técnica, a obra atua de tal modo, que quase parece resultar de qualidades do contato entre a matéria e o meio em que se encontra. Como se a artista buscasse olhar os diferentes modos de organização e estabelecer conexões entre suas "partes", ritmos dinâmicos que constituem na obra em si.
Íris Lambert




Massa

Michelle Massateli, a Massa, é uma artista que se posiciona criticamente diante de seu tempo através da linguagem gráfica. Sua pesquisa se iniciou com a busca por texturas que remetiam ao feminino, desdobrou-se e, assim, encontrou nos ícones de consumo fetichistas a força de seus questionamentos.

O trabalho apresentado faz parte da série "O segredo de Bárbara", em que lingeries são impressas por cima de figuras da boneca Barbie, posicionada como uma pessoa num ensaio fotográfico. No âmbito dos aspectos formais, as sobreposições de diferentes técnicas, remetem à colagem. Mas a abordagem conceitual vai além de uma análise processual. A gravura é um pequeno cartaz, um possível meio de comunicação, ainda que contido em relação à escala, mas incisivo em sua reflexão, a crítica feita por Massa pode ser relacionada aos trabalhos da artista Bárbara Kruger uma vez que ambas retomam questionamentos sobre a sociedade de consumo e seus excessos que induzem ao padrão exigido de beleza inatingível imposto desde a infância.

O viés tomado não é tanto por uma questão o movimento feminista, mas sim uma reavaliação dos objetos de consumo, assim como a lingerie é um objeto de consumo que sugere desejo, a boneca também o é para uma criança.


Milena Edelstein




Ana Polisel

Ana Polisel desenvolve desde dezembro de 2008 trabalhos em áudio visual que trazem a possibilidade de ramificarem-se em outros suportes e mídias. Produzido em janeiro de 2009, MOV00324.MPG faz parte da série "Auto-ajuda". O trabalho estrutura-se a partir de uma filmagem caseira - sem preocupação com questões formais como a luminosidade e a qualidade da gravação – em que a artista, aparentemente preparando-se para dormir, utiliza-se do aparelho de filmagem para marcar impressões e reafirmar conselhos sobre a sua natureza e o ambiente que a rodeia.

A possível relação com outras linguagens como a performance não são descartadas uma vez em que a artista desloca uma ação intima, para o espaço público. A escolha da fala de Polisel caminha sobre encontros e desencontros daquilo que artista sente e observa. Permeiam-se, durante a fala da mesma, aspectos particulares, questionamentos sobre intenções e gestos que ultrapassam o espaço físico, procurando - sem êxito - a subjetividade que a artista procura passar. A transferência de angustias e aspirações da artista são transmitidas por um direcionamento informal e cotidiano. A escolha do suporte abre espaço para reflexões acerca de novas possibilidades de nos relacionarmos com aquilo que gostaríamos de guardar e lembrar, sem que os mesmos estejam depositados em papeis ou outros suportes de cunho tradicional.

Segundo a artista, a mídia com seis minutos de duração procura criar, pela a atmosfera e palavras ditas, uma subjetividade capaz de retornar a ela mesma como forma de reflexão e, quando mostrada ao publico, alcançá-lo como destinatários das mensagens expostas. A transmissão de tais proposições desenvolve-se de maneira rasa, em função da tentativa de imposição de uma poética que não fica clara apenas com o desmembramento do vídeo em uma série e pela tentativa de ampliação de sentidos que não se configuram em profundidade.


Nicole Turzi

Magali Bragado

O trabalho da artista Magali Bragado tem como considerável propulsor a cidade, a vida urbana e o trânsito das pessoas pelas linhas do metro. Sua pintura lida com registro da ação do tempo, marcas deixadas no concreto a partir de reações como químicas como a oxidação. A artista transpõe a ação temporal para a arte e, de maneira criativa, repete esse processo de envelhecimento em sua obra.

O trabalho é constituído por uma placa de concreto, que remete às paredes do metro, e pigmentos químicos oxidantes como o percloreto de ferro. As substâncias químicas têm a função de ferramentas. Elas são usadas pela artista para acelerar o processo da ação do tempo sobre o concreto.

Fazendo o uso de linhas paralelas oxidadas e da repetição, Magali Bragado desenha de modo delicado sobre o suporte de concreto. De certo modo, ela se apropria da ação do tempo.

Promovendo uma parceria do emotivo com o racional, o cinzento ganha vida e cor. De estilo peculiar, num gestual de linhas explodidas e oxidadas a obra desperta, a linha do tempo, a linha dos trilhos da vida.



Evelin Jordão



A busca da poética no espaço e tempo.

O artista é prisioneiro de seu tempo.
Baktin

Diante das pesquisas efetuadas ao longo do processo artístico, pode-se definir – a partir de um olhar específico, que elas resultam do modo como cada um de nós se relaciona com todas as coisas que nos circundam.

A maneira de olhar, pensar, refletir e compartilhar algo é o que define ao longo de um percurso (não somente artístico, mas também um percurso de vida, que engloba a todos os seres existentes) quem somos e como somos. Trata-se de um modo singular que cada um tem de se relacionar com o espaço e seu entorno, além de como conviver com tudo que existe no tempo presente que é também um acúmulo de tempos passados.

Cada indivíduo que se relaciona de uma maneira específica com tudo que está no mundo cria uma singularidade. Esta, ao ser compartilhada com os outros indivíduos, resulta em uma das características que compõem cada sujeito, cuja poética se dá simultaneamente a esta relação.

Nesta exposição temos uma reunião de obras de diferentes linguagens e poéticas, reunidas sob um olhar temporal e espacial. Todas as obras em sua execução tangenciam estas questões, ora como assunto de pesquisa, ora em sua materialização como objeto que remete a outros tempos e espaços.

Os trabalhos se relacionam com a noção de tempo como matéria constituinte do corpo da obra; como assunto; como registro contínuo; como elemento que sustenta discussões sociais atuais, entre tantas outras possíveis. Também estabelecem relações com espaços físicos, tanto tridimensionais como bidimensionais, e com espaços não físicos, invisíveis ao olhar, mas que preenchem e dão corpo a memória e a imaginação.

Além destes, os trabalhos se relacionam com espaços oriundos de diferentes ordens, como por exemplo o espaço social, que envolve o comportamento dos indivíduos em diferentes meios de convívio, tal como apresentado nos vídeos do artista Carlos Gonzalez intitulados “Heterossexual come macarrão com carne”.

Existem obras ainda, que permeiam espaços que ficam no limiar entre o privado e o público. O vídeo de Ana Polisel levanta questões de ordem do intimo ao confessar para o espectador desejos, coisas que não devem ser esquecidas, lembranças que transitam entre passado, presente e que se tornam promessas para o futuro. Seu trabalho é também um apontamento de uma "tendência" dos tempos atuais, no qual artigos de diversas origens sobre auto-ajuda são “bem-vindos” na tentativa de solucionar alguns dos vários problemas que vivemos.

Estas e outras obras da exposição apontam para as diversas relações possíveis entre tempo e espaço. Podem-se delinear nesta produção distintas variações de como cada artista se relaciona com o tempo e o espaço presente, além de como cada um desses elementos são articulados.
Paralelamente a estes, busca-se nessas produções artísticas uma firmação da poética através do olhar do artista sobre o mundo e as coisas nele existentes.


Beatriz Toth

1ª Mostra do Edital da Galeria 13 - 2009/2

A mostra do Edital da Galeria 13 é fruto do trabalho de alunos do Curso de Artes Visuais do Centro Universitário Belas Artes.

A exposição foi elaborada ao longo dos últimos meses pelos alunos da disciplina Orientação Profissional V.

Os artistas participantes foram selecionados por uma comissão de professores e representantes dos estudantes do 6º semestre a partir de um universo de quase quarenta inscritos.

A montagem da mostra e os textos críticos sobre os trabalhos são resultados de discussões e exercícios sobre escrita feitos pelos alunos.

O objetivo da mostra é contribuir para o desenvolvimento da reflexão e do diálogo entre arte e crítica de arte.

A mostra pretende proporcionar um momento rico de trocas e debates sobre projetos de curadoria, montagem e crítica de exposições.

Com esse exercício teórico-prático acreditamos estar estimulando a experimentação, a investigação e a reflexão sobre procedimentos relacionados às exposições de artes visuais no panorama contemporâneo.